segunda-feira, 29 de julho de 2013

The Wall - irão os surfistas crescer algum dia?

[este é um excerto de um texto de Lewis Samuels, cronista da revista Surfer]

Tesouros de Criança

A gravidade do meu problema não se fez notar em mim até o meu irmão olhar fria e longamente para a minha garage. Com o nosso primeiro filho a caminho, a minha mulher tinha-me pedido para organizar a minha caverna de homem, para arranjar espaço para carrinhos e cadeirinhas de bebé. Ela sabia que não devia pedir-me para me ver livre de algumas pranchas - 41 da última vez que contei, não contando com as que estão no Chile, Indonésia, Sul da Califórnia e no norte. Em vez disso, a minha mulher pediu-me para arrumar a parede de caixas recentemente trazidas da minha casa de infância. Tinha andado a adiar isto há meses, apesar dos atraentes rótulos rabiscados nas caixas como "Diários de Surf, Escola Secundária" e "Tesouros de Criança". Eu sabia a história de Pandora. Sabia, com a prática de anos, que a ignorância pode ser uma alegria.

Então, num dia de Inverno, abri uma cerveja e destapei uma caixa, e dei por mim absorvido pelos talismãs e pequenas coisas dos meus anos de formação como surfista: luvas de neoprene, talões de garantia do meu primeiro fato Victory, pilhas de diários detalhando cada sessão, onda por onda, desde 1990 em diante. Em vez de limpar e seguir em frente, comecei a fazer um ninho. Organizei as minhas Surfer dos anos 80 numa prateleira. Liguei o meu rádio tijolo, pus-me a tirar e a arrumar cassettes. Quando desenterrei a pilha de posters que em tempos decoraram as minhas paredes, comecei a pô-los por trás do suporte de pranchas, juntamente com os meus posters do Hendrix e velhas fotografias queimadas do sol. Não senti apenas um toque de nostalgia - senti-me feliz, em casa de uma forma que há muito não sentia.

Então o meu irmão apareceu, olhou para aquilo, e perguntou-me por que raio é que tinha recriado o meu quarto de criança na garage. Pareceu-me uma questão pertinente - questão que a minha mulher, por gentileza, não me faria. Ali estava eu, aos 35 anos, e ainda tão obcecado com o Surf que receava que o nascimento da minha filha fosse coincidir com uma ondulação épica. Para lá da fachada de família nuclear, eu sentia-me muito como uma criança, prestes a ter uma criança eu próprio. Raios, eu estava a esconder-me no meu quarto de criança re-criado, a ler revistas desbotadas enquanto a minha mulher lê livros de bebés lá em cima. Verdade seja dita: eu tinha conseguido envelhecer sem nunca ter crescido... e suspeitei que era a minha devoção ao Surf que me infantilizava.

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