quinta-feira, 28 de julho de 2016

"ignóbil trapo"

bandeira republicana proposta por Guerra Junqueiro














"[O] regímen está, na verdade, expresso naquele ignóbil trapo que, imposto por uma reduzidíssima minoria de esfarrapados morais, nos serve de bandeira nacional - trapo contrário à heráldica e à estética, porque duas cores se justapõem sem intervenção de um metal e porque é a mais feia coisa que se pode inventar em cor. Está ali contudo a alma do republicanismo português - o encarnado do sangue que derramaram e fizeram derramar, o verde da erva de que, por direito mental, devem alimentar-se [...]
A monarquia, ainda que má, tem ao menos de seu o ser decorativa. Será pouco socialmente, será nada, nacionalmente. Mas é alguma coisa em comparação com o nada absoluto que a república veio a ser."

Fernando Pessoa, sobre a bandeira adoptada pela república

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Uma criança perdida na multidão













O João era uma criança que não teve a sorte de conhecer os pais.
Foi entregue a um casal que tratava dele e de outros Joões como ele.
Era bem tratado, sempre teve tudo o que podia desejar.
Passava os dias a correr e a saltar no campo, no meio dos sobreiros e das vastas planícies.
Comia bem, tornou-se forte, um dos mais fortes.
Gabavam-lhe o corpo e a destreza de movimentos.
Um dia, o casal chegou com um homem de boina e grandes patilhas, que o saudou e pareceu gostar muito dele.
O João e outros cinco rapazes entraram no camião e foram para longe.
O camião parou num lugar estranho. Um lugar onde nunca tinham ido.
Não havia ali campo. Não havia relva ou prados para correr.
Havia apenas quatro paredes e um cheiro acre na penumbra.
Um dos rapazes foi chamado e saiu da sala quase sem luz.
Ouviram-se gritos, palmas, alegria, o clamor de uma multidão em êxtase.
Talvez fosse bom!
Chegou a vez do João.
Saiu.
A luz surgiu, brilhante e ofuscante.
Ouviram-se gritos, palmas, alegria, de novo o clamor da multidão em êxtase.
Uma barreira de tábuas vermelhas abriu-se à sua frente.
Foi empurrado com duas varas pontiagudas.
Correu com a dôr para o centro do recinto coberto de areia.
O medo chegou. As perguntas surgiam de enxurrada.
Uma mais que todas. Porquê? Que teria ele feito?
Um homem de fato brilhante chamou-o. Ele avançou.
O homem de fato brilhante passou-lhe com desprezo um pano por cima e espetou-lhe dois ferros nas costas.
O João era forte. Não caiu.
A multidão gostou. Gritava em uníssono.
O homem de fato brilhante parecia animado.
O João sentiu pela primeira vez algo que nunca havia sentido.
Revolta, raiva, e sempre a incredulidade de aquilo estar a acontecer.
Às vezes tinha sonhos maus mas nenhum se aproximava daquilo.
Avançou com toda essa raiva para o homem de fato brilhante, que o esperava.
O homem desviou-se, como se já tivesse feito isto muitas vezes, e aproveitou a desorientação do João para lhe espetar mais dois ferros nas costas.
Desta vez, enfeitados com bandeiras coloridas.
A multidão foi ao delírio.
O João tropeçou.
Sentiu o sangue quente a escorrer-lhe pelas costas.
Algo lhe saía da boca. Sangue. Um dos ferros tinha-lhe furado um pulmão.
Quis reagir. Avançar para o homem de fato brilhante.
Mas já não via o brilho do fato. Já não via o homem. Os olhos turvavam-se.
Ouviu o clamor da multidão subir de tom e sentiu que algo o atravessava.
Um outro ferro.
Mas desta vez mais fundo, até à alma.
Deixou-se cair e sentiu a areia no rosto.
Sentiu o cheiro da relva, dos prados, dos sobreiros, dos pássaros que lhe pousavam no ombro.
Tudo lhe surgiu de repente mais claro que nunca.
E voltou ao prado verde, e correu, e saltou, e pulou. Para sempre.
Entretanto, um corpo de criança era arrastado para fora da arena, o sangue era limpo, e outro João era chamado.
Para que a multidão rejubilasse.

sábado, 16 de janeiro de 2016

A Sudoeste















É um país imenso.
Esmagador, impressionante, inspirador.
É realmente The Great Wide Open.


É um país de uma solidão pacífica, de horizontes longínquos.
Mas não só.
É muito mais. 

É tudo o que imaginamos e muito para além disso.

A Namíbia é a Natureza pura, muitas vezes intocada.
É o mundo antes do Homem.
É a nossa História à frente dos olhos.


E foi um prazer imenso e um privilégio poder estar lá.