quinta-feira, 28 de novembro de 2013

olhos abertos debaixo de água



Nos tempos que vivemos, tornou-se corriqueiro ver passar gente com pranchas, seja nas praias, nas cidades, seja em qualquer canto do mundo. E se há uns anos o surfista comum fazia jus ao estereotipo do cabelo comprido e ar de indigente, actualmente é difícil dizer quem é que, no meio daquele monte de gente a formigar nas cidades durante a semana, para trás e para a frente, irá estar mais cedo ou mais tarde a deslizar sobre a água com um sorriso no rosto.

O mundo dos humanos é baseado em convenções. Escrevemos da esquerda para a direita, usamos gravatas para dar um ar respeitável, ao sinal vermelho paramos automaticamente... No entanto, há quem escreva da direita para a esquerda... Quem use uma túnica e caminhe descalço... Quem abra um livro pela contracapa e, no entanto, o que lá está escrito não deixa de fazer todo o sentido. Abordagens diferentes, resultados idênticos.
Há quem pegue numa twin e acelere em paredes sem fim; há quem pegue numa thruster e faça derrapar a prancha no lip...  

As convenções sempre criaram, inconscientemente, limites à criatividade e à própria liberdade de expressão, fosse pela falta de percepção daquilo que é possível, fosse pelas barreiras sociais; senão veja-se como eram olhados aqueles que ousavam, nos anos 80 -para não ir mais longe- surfar num longboard... Ou se era "radical" e se tentava -sim, tentava- surfar em pranchas bastas vezes desadequadas ao talento dos cada uns, ou se era um "velho", um inadaptado social, que se arrastava em alta velocidade sobre um bloco de 9 pés de comprimento. Quantos surfistas se perderam em vãs insistências de surfar em pranchas que ora eram muito finas, ora muito estreitas, ora simplesmente não eram para eles, apesar de o campeão do momento voar numa igual? Tudo para não ser rotulado de "velho do pranchão".

 
pé na tábua
Hoje vivem-se tempos de liberdade total, mas... será que é mesmo assim? Ou será que nunca deixou de haver a eterna maledicência dos iluminatti do Surf? Aquela dita "elite" que continua a querer padronizar os níveis de desempenho pela bitola dos freaks do mundo da alta competição, quando muitos membros dessa própria elite fariam melhor em abrir os olhos e explorar o mundo que existe num sem fim de veículos de prazer aquáticos. De entre twinfins, singlefins, híbridas, quads, malibus, longboards, eggs, shapes experimentalistas, assimétricos, bodysurfing, bodyboarding... Tivéssemos todos mais tempo e cada dia experimentaríamos coisas diferentes... Os detractores argumentam que "isso estraga o Surf", que estraga a linha, mas é na versatilidade que reside o segredo de permanentemente termos a possibilidade de sentir a pureza que é a alegria de deslizar livremente numa onda, procurando a velocidade, o deslizar pelo deslizar, sem pensar se estamos a fazer manobras futurísticas ou não. Sensações diferentes, modos diferentes de olhar para o mesmo; o tal ler da direita para a esquerda.

O Surf é uma actividade individual, logo não faz sentido fazermos todos o mesmo, adoptarmos todos a mesma postura perante algo que oferece um mundo de interpretações.
Cada um vê a sua relação com o Surf da sua forma pessoal, para muitos é o mais próximo que têm de uma experiência religiosa, para outros mero divertimento, passageiro ou não. Mas aqueles que são picados pelo bicho e seguem vida fora, que quando acordam passam a olhar para o vento antes de olhar para a chuva, que vivem a obsessão com um sorriso, são os verdadeiros espíritos livres, embora presos pela dedicação quase doentia ao acto de deslizar sobre as ondas. O que não é necessariamente mau.

É o prazer da antecipação, de um prazer seguro que há de chegar, mais cedo ou mais tarde, que dá aos verdadeiros surfistas de alma aquela serenidade e confiança de que vale a pena estar vivo. Porque aqueles momentos fazem valer a pena ter nascido. E poucos poderão dizer isso de algo nas suas vidas.

No futuro, quando o corpo começar a queixar-se, aqueles que tiverem aberto os olhos mais cedo, irão poder ter o prazer de facilmente voltar às sensações de pegar numa prancha maior e curvar com velocidade, ou de num dia de ondas muito boas saltar para cima de uma twin e acelerar desenfreadamente... E por aí fora... Os eternos Velhos do Restelo irão manter a fidelidade às triquilhas de sempre, cada vez maiores, cada vez mais presas, enquanto que um velho, mas não do Restelo, passa por eles a 200 no seu malibu largo, espesso... e veloz. Porque é aí que reside a verdadeira alegria e prazer no Surf: velocidade pura. Se houver tubos, tanto melhor.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

[quase] surrealismo insular



cheiro de Verão














Areia, sol, guarda-sol
Sal, praia, água; água?!
Cerveja, imperial, caneca, bejeca
Dia, luz do sol; noite, luz do farol
Calor, calor, volley, raquettes, água!
Ááááágua…
Ufff, calor!
Verão (verão que passa num instante)
Já passou…
Memórias, risos, sorrisos, amigos
Amigas…
Formosa, a ria
Encontros, despedidas, desencontros
Barco da carreira, ponte
Maré cheia, maré vazia
Bife da vazia, peixe assado, latas de atum
Esparguete e coiso e tal
Jantar, almoço, sangria
Ao pequeno almoço????
Galões, meias de leite, café no Manel
Escaldão, vermelho, factor 60
40 graus à sombra
Algarve, Agosto, pleno verão
Calções, chinelos, levante
T-shirt, óculos de sol, limos na areia
Toalha salgada, passadeira, futebolada
Feijoada?
Isto não é o Brasil! Caipirinha?
Caipirinha, cartas na mesa, king, snooker
Lerpa!
Deitar cedo? Cedo erguer?
(!!!)
Geradores, petromax, camping-gaz, fox
Ruas escuras, candeeiros, farolim
Ponta do molhe, pés de galo, chalavares
Engodo, verylight, anzol, casulo
Azul do céu, branco da luz, cegueira
Passageira, passageiros, na carreira
Horário de verão, o dia não acaba, lusco-fusco
A noite estica, outro dia, outro dia, outro dia…
Acabou.
Pró ano há mais. 

[escrito há quase 9 anos]


sábado, 3 de agosto de 2013

poesia em miniatura

Se eu fosse um escritor
escrevia uma aventura
com fadas e piratas
romance e tortura;

Escreveria histórias boas
mas também com personagens más
como por exemplo um lobisomem
mas sempre derrotado por um valente rapaz;

Escreveria em cafés
para toda a malta ver
não escolheria nenhum pseudónimo
pois o meu nome é de alto nível
toda a gente vai enlouquecer!

escrito por M. aos 9 anos


sexta-feira, 2 de agosto de 2013

fragmentos

José Carlos Fernandes, um dos mais geniais autores de Banda Desenhada em Portugal.
excerto de um dos seus livros


terça-feira, 30 de julho de 2013

modus operandi



Ao longo das últimas décadas tem-se assistido a um progressivo descaracterizar da imagem da Arquitectura portuguesa, nomeadamente aquela com uma ligação mais imediata à vida das populações fora dos grandes centros. Os modos de construir tradicionais diluíram-se, cedendo o passo ao facilitismo proporcionado pelos materiais industriais, bastas vezes usados sem critério, com reflexos evidentes na cada vez pior qualidade –visual e física- das construções. Um dos problemas é que, se por um lado, numa grande cidade, a mão de técnicos, arquitectos e outros, sempre esteve, de uma ou de outra forma presente, por outro o mesmo já não se pode afirmar das povoações rurais, isoladas. Aí dominou, ao longo de gerações, o saber popular, fruto de um processo contínuo de aplicação de técnicas adaptadas à realidade de cada lugar. Isso originou modos de construir próprios, resultando numa imagem que caracteriza cada um desses lugares de modo evidente. A questão que se põe actualmente é que esse processo foi interrompido por via do que hoje se convencionou chamar globalização, e não há, na prática, possibilidade de reverter tal situação. As povoações históricas portuguesas criaram a sua própria identidade à custa de certo isolamento, senão vejam-se os casos de Monsaraz, Marvão, Monsanto, Óbidos, Mértola e tantos outros. Para se tornarem a referência que hoje são não necessitaram da erudição de técnicos, engenheiros e arquitectos; bastou o saber popular. Hoje, perdido esse saber, corre-se o risco de essa mesma intervenção popular obter o resultado oposto. E aqui poderá o Arquitecto, esclarecido e sensibilizado, desempenhar um papel fundamental na coordenação das intervenções levadas a cabo nesses locais, de maneira a não só manter o património construído existente a salvo de eventuais atentados, como velar pela correcta incorporação de novas técnicas e soluções no tecido original sem prejuízo para a leitura de conjunto do lugar. No entanto, há que procurar que esses mesmos arquitectos, deslumbrados com a contemporaneidade da sua arte, não se deixem cair na tentação de incorporar elementos desenquadrados da realidade circundante de forma gratuita, apenas para atestarem da modernidade do seu modo de encarar a Arquitectura. Ou poderá ser pior a emenda que o soneto.