sábado, 23 de março de 2024

a decadência da essência cultural









Nos dias que correm, e de há uns tempos para cá, muita gente se apercebe que o mundo se tem tornado cada vez mais igual, um adolescente do sul da Europa veste-se da mesma forma que um adolescente do sul da Austrália, um executivo em Nova Iorque veste-se da mesma forma que outro jovem executivo em Frankfurt, a comida sabe toda ao mesmo onde quer que se vá... E os exemplos são infindáveis, com o turismo, que poderá ser o novo terrorismo, a arrasar sociedades inteiras em prol do benefício de cada vez menos.

A grande questão é o que acontece às identidades definidoras dos povos em cada lugar do planeta. Algo que foi o trabalho de milénios é agora dissolvido em pouco mais de um século, sendo que essa dissolução já lentamente teve início com as conquistas e explorações dos povos europeus em séculos passados.

Essas identidades, sedimentadas ao longo de gerações e gerações, levaram à criação de culturas, de modos de viver, de crenças e religiões, tudo isso ligado a territórios determinados, a climas determinados, a situações específicas que moldaram sociedades únicas, cada uma com as suas idiossincrasias.

Há quem já se tenha interrogado o que poderiam ser as Américas, a título de exemplo, se até hoje tivessem permanecido isoladas do contacto de outros povos. Não teriam a tecnologia dos europeus? Pois bem, teriam seguido outro caminho, e talvez hoje estivessem, enquanto sociedade, num lugar bem mais interessante que aquele onde se encontram.

Hoje, o politicamente correcto leva a que todos defendam acriticamente as trocas culturais (mas sobretudo económicas, mas isso é outra história...) como algo de grande valor na formação de cada um de nós, mas com isso a defesa e preservação das culturas ancestrais de cada povo numa lógica de continuidade morrerão a prazo. Mantidas apenas como peças de museu, curiosidades etnográficas ou atracções turísticas.

Os mesmos que defendem a multi-culturalidade e as trocas culturais como essenciais para uma cidadania mais consciente e informada, são os mesmos que defendem a preservação de cada uma dessas culturas exóticas e diferentes por si sós, sem se aperceberem que a sua própria interferência directa nessas mesmas culturas e modos de viver tem um efeito exactamente contrário, levando à sua progressiva dissolução e aculturação perante um modo de vida apelativo que tudo domina e que se sobrepõe a tudo o resto - o capitalismo criador de sonhos etéreos a que ninguém fica indiferente. Daí a explosão massiva das grandes metrópoles onde se amontoam milhões de seres em busca da melhor vida possível, cada vez mais despojados de qualquer identidade, iguais em todo o mundo, apenas funcionando como peças de uma gigantesca e disfuncional máquina de criar desilusões. Para benefício de uma elite que, igualmente despojada de qualquer identidade cultural ou social de relevo, mantém alegremente essa máquina a girar eternamente.

A solução? Não parece haver, pois teria que passar por um "retrocesso civilizacional" em que os povos reassumissem os seus modos de vida de outrora, afastando-se das influências que os fizeram desligar-se das suas raízes. Só assim poderia haver um mundo que preservasse a sua multi-culturalidade essencial.

E não uma multi-culturalidade que mais não é que um cozinhado que dilui todos os cambiantes de um mundo noutros tempos tão diverso e os transforma numa amálgama sem alma.

E isto para apenas ficarmos pelo lado humano da questão, sem entrar no mais complicado tema da preservação da bio-diversidade do planeta, que isso já são outros quinhentos - porque o Homem só olha para si próprio...