terça-feira, 30 de julho de 2013

modus operandi



Ao longo das últimas décadas tem-se assistido a um progressivo descaracterizar da imagem da Arquitectura portuguesa, nomeadamente aquela com uma ligação mais imediata à vida das populações fora dos grandes centros. Os modos de construir tradicionais diluíram-se, cedendo o passo ao facilitismo proporcionado pelos materiais industriais, bastas vezes usados sem critério, com reflexos evidentes na cada vez pior qualidade –visual e física- das construções. Um dos problemas é que, se por um lado, numa grande cidade, a mão de técnicos, arquitectos e outros, sempre esteve, de uma ou de outra forma presente, por outro o mesmo já não se pode afirmar das povoações rurais, isoladas. Aí dominou, ao longo de gerações, o saber popular, fruto de um processo contínuo de aplicação de técnicas adaptadas à realidade de cada lugar. Isso originou modos de construir próprios, resultando numa imagem que caracteriza cada um desses lugares de modo evidente. A questão que se põe actualmente é que esse processo foi interrompido por via do que hoje se convencionou chamar globalização, e não há, na prática, possibilidade de reverter tal situação. As povoações históricas portuguesas criaram a sua própria identidade à custa de certo isolamento, senão vejam-se os casos de Monsaraz, Marvão, Monsanto, Óbidos, Mértola e tantos outros. Para se tornarem a referência que hoje são não necessitaram da erudição de técnicos, engenheiros e arquitectos; bastou o saber popular. Hoje, perdido esse saber, corre-se o risco de essa mesma intervenção popular obter o resultado oposto. E aqui poderá o Arquitecto, esclarecido e sensibilizado, desempenhar um papel fundamental na coordenação das intervenções levadas a cabo nesses locais, de maneira a não só manter o património construído existente a salvo de eventuais atentados, como velar pela correcta incorporação de novas técnicas e soluções no tecido original sem prejuízo para a leitura de conjunto do lugar. No entanto, há que procurar que esses mesmos arquitectos, deslumbrados com a contemporaneidade da sua arte, não se deixem cair na tentação de incorporar elementos desenquadrados da realidade circundante de forma gratuita, apenas para atestarem da modernidade do seu modo de encarar a Arquitectura. Ou poderá ser pior a emenda que o soneto.  

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