sexta-feira, 12 de julho de 2013

divagações tendenciosas



Vivemos, há já bem mais que uma década, e cada vez mais, uma época em que a imagem é tudo. Antes sequer do valor do produto, qualquer que ele seja, é a imagem comercial que conta, é esse o motor do sucesso (ou não sucesso) de qualquer coisa que se queira vender, promover, seja um livro, seja um automóvel, seja um simples detergente, passando pela música, campo onde cada vez mais se confunde o sucesso com o volume de vendas e consequentes receitas, deixando para segundo plano aquilo que na realidade interessa, que é a qualidade intrínseca ao próprio produto; qualidade essa que chegou, a certa altura, a ser o único argumento para conseguir vingar e se impôr. Mas esses eram outros tempos. Havia mais ingenuidade, é certo, no que respeita à promoção do que quer que fosse, mas tudo era mais genuíno e frontal, tipo “what you see is what you get”. Hoje tudo está maquilhado, disfarçado daquilo que nem sempre é. É sobretudo evidente, neste último mundo a que faço referência, que os valores se alteraram, e que hoje em dia nada nem ninguém consegue obter um sucesso digno de registo se não estiver ligado a uma dessas máquinas de promoção, multinacional ou não, que irá impôr e expôr à exaustão algo que, podendo ou não ter qualidade, se quer acima de tudo gerador de receitas a breve prazo, e não apenas uma referência na afirmação de novos valores e tendências, como chegou a ser praticado há algumas décadas. “Coitados”, dirão os gurus do marketing dos nossos dias. Tudo passa a ser secundário; por exemplo, nos tempos da explosão do “rock and roll”, onde é que estavam essas máquinas de promoção, essa imposição de gostos hoje tão em voga? Os produtos, a música, vendiam pelo seu valor, pela inovação que representavam, pela aceitação natural que tinham. Aquilo que não vingava não o fazia porque simplesmente não tinha qualidade para tal. Hoje, quantos cantores, quantos grupos não cairiam no esquecimento se não fosse pelo empurrão que tiveram de toda essa máquina promocional, e tivessem que vingar à custa apenas da afirmação do valor da sua música? E, na verdade, pouco se perderia. A indústria musical encontra-se tão indissociavelmente ligada à exploração e promoção da imagem dos seus intérpretes, que a redução pura e simples destes à sua condição de músicos levaria esta mega indústria ao descalabro financeiro. A própria televisão (dita generalista) pouco merece que dela se fale, pois tem-se vindo a transformar num tal deserto intelectual e de valores, que em nada poderá contribuir para um real enriquecimento das capacidades mentais de quem quer que seja.   
O mesmo se aplica a todo o mundo onde o factor comercial tem alguma influência. A nossa sociedade, dita evoluída, evoluiu na verdade para uma mascarada onde tudo é aparente, onde os “valores” são criados, usados e recriados ao sabor das flutuações das tendências, com a efemeridade e leviandade que isso implica. Pode argumentar-se que tendências e modas sempre houve, que são estas que marcam épocas e as definem. Sim, mas é preciso ver, e ter consciência, que vivemos tempos em que essas mesmas modas e tendências já nada têm de genuíno, de original. Nada mais são que recuperações e reinterpretações de tendências passadas, nomeadamente das décadas de 60 e 70. Misture-se bem, adicione-se um pouco de anos 50 e “early 80s” e têm-se os “gloriosos” primeiros anos do terceiro milénio. Carros, roupas, sapatos, música até, pouco se faz de novo nestes dias em que vivemos; reinvenções, receitas de sucesso revisitadas num tempo falho de ideias, mas sobretudo de ideais que guiem uma geração. A imagem do mundo actual é uma farsa. Falta identidade a toda esta geração que, infelizmente, não se apercebe disso e consome desenfreadamente aquilo que se lhe oferece sem questionar, sempre à espera, ansiosamente, do que virá a seguir, sem se interessar minimamente do porquê da existência de toda essa parafernália de objectos supérfluos que se tornam cada vez mais indispensáveis, quanto mais não seja como elementos de integração numa comunidade. A realidade actual, para onde quer que se olhe, está maquilhada constantemente, com toda a superficialidade que isso representa. As tendências são conscientemente criadas e lançadas por uma elite que, ao melhor estilo orwelliano, põe e dispõe da massa de consumidores a seu bel-prazer, sem que haja uma consciência colectiva que a isso se oponha com veemência. Os poucos que o fazem são desde logo postos de lado, ostracizados pelo pecado do pensamento individual. São os crime-pensantes dos nossos dias. “Freaks”, chamam-lhes. Reaccionários até. Mas o verdadeiro futuro passa pelas mentes desses poucos “foras-da-lei” que insistem em não embarcar na mediocridade, optando, por vezes com sacrifícios, por se manterem fiéis a princípios ausentes da maioria da população, medíocre por convicção.
  
[escrito em 13-7-2003]

Sem comentários:

Enviar um comentário