segunda-feira, 8 de julho de 2013

Regresso



Depois de toda aquela interminável viagem, chegou àquele sítio onde pensava estar finalmente longe de tudo aquilo que queria deixar para trás; não interessava o quê, agora apenas interessava o que havia de acontecer. Custa sempre largar de vez o que quer que seja, mas quisesse ou não, a vida que tinha sido estava lá, constantemente presente, nem que fosse como caminho para a decisão de a largar. Um contrasenso portanto, ou talvez nem tanto. Com o  mar em frente e o som do jipe afastando-se pelo mato dentro, aproximou-se daquilo que lhe pareceu possível ser a pensão falada por telefone, já lá iam duas semanas. Um outrora reluzente Buick enferrujava a um canto, quando um velho negro, já mirrado, impecavelmente vestido de branco, apareceu na sombra do alpendre do que parecia ser o bar, sorriu como se de uma velha amizade se tratasse e, antes de qualquer palavra ser trocada, estendeu um impecavelmente apresentado gin-tonic. Apresentações informalmente feitas – Vicente, prazer! Eugénio, como passa doutor? – a conversa continuou num salão perfeitamente imaculado, como se os tempos prósperos dos idos de 50 ainda resistissem naquele canto esquecido, nos retratos, na mobília, mas sobretudo em algo que flutuava no ar, intangível mas tão presente que chegava a arrepiar. Nem vestígio de abandono, de desleixo, e no entanto apenas aquele velho ali estava, o homem dos sete ofícios, recepcionista, maître d´hôtel, cozinheiro, barman… A conversa esticou-se noite fora, entre coisas que foram e que haviam de ter sido, e um pensamento que continuava a atormentá-lo, mas um tormento prazeroso, pois sabia que, cedo ou tarde, ela estaria ali, à espera, só para ele, se lhe fosse fiel como lhe havia jurado desde o momento em que a viu pela primeira vez. Cansado, exausto, deu por si caído numa cama digna de um qualquer cinco estrelas, sem se ter apercebido de como encontrara o quarto – afinal, um dia e meio de viagem e 5 ou 6 gin-tonics deixam as suas marcas…

Amanhece, o calor não é insuportável mas deixa-se sentir na brisa que escorre pela janela e faz ondular os cortinados. Ainda com a cabeça a flutuar em pensamentos de outras paragens, deu-se conta do ruído surdo do mar, um impulso tirou-o da cama e, no momento seguinte, percebeu que as sacadas do primeiro andar olhavam sobre aquela concha de areia, tirada de postais de agências de viagens, mas sem palhotas, sem espreguiçadeiras, sem turistas, sem cheiros de bronzeadores ou caipirinhas. Apenas o silêncio e o mar. Na distância, o oceano deixava perceber a ondulação naquele riscado tão familiar a lembrar a bombazine de umas calças, sem pinga de água fora do lugar. As escadas voaram debaixo dos pés descalços, mas o impulso de sair foi quebrado por uma figura incrivelmente direita, com um sorriso que podia ser de troça ou quase condescendente, a indicar com um desviar do olhar o pequeno almoço pousado numa sólida mesa de madeira escura no alpendre com o mar em frente. Apesar da pouca fome, e ainda com o sabor do álcool da noite anterior na boca, sentou-se à mesa, fazendo por devorar sem vontade tudo aquilo pois talvez só voltasse a ter que comer nessa noite. Depois de uns minutos que pareceram horas, saiu finalmente para o sol, correndo para o canto da baía onde o som do mar era mais forte. A baía estava calma, azul e verde ao mesmo tempo, a areia cegava de tão branca e a água mal dava para dizer se quente se fria, por não se sentir, enquanto continuava aquela corrida aparentemente sem nexo por uma praia deserta. A corrida parou, um maciço de rochas rematando o canto da baía obrigou-o a uma escalada forçada, um escorregão aqui, um tropeção ali, e de repente, ali estava ela! As suas curvas, perfeitas, os seus cabelos, suaves, penteados por aquele vento morno vindo de terra, uma belíssima e interminável fonte de prazer estava ali, ao alcance da mão. Ele sabia que lhe bastava ir ter com ela, e tudo o que quisesse ela lhe daria. Olhou mais uma vez. O coração disparou como um tambor, e a louca corrida recomeçou, desta vez em direcção à pensão. O único pensamento era como haveria de tirar melhor partido dela: com a prancha azul ou com a prancha branca? 

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