Depois de toda aquela
interminável viagem, chegou àquele sítio onde pensava estar finalmente longe de
tudo aquilo que queria deixar para trás; não interessava o quê, agora apenas
interessava o que havia de acontecer. Custa sempre largar de vez o que quer que
seja, mas quisesse ou não, a vida que tinha sido estava lá, constantemente
presente, nem que fosse como caminho para a decisão de a largar. Um contrasenso
portanto, ou talvez nem tanto. Com o mar
em frente e o som do jipe afastando-se pelo mato dentro, aproximou-se daquilo
que lhe pareceu possível ser a pensão falada por telefone, já lá iam duas
semanas. Um outrora reluzente Buick enferrujava a um canto, quando um velho
negro, já mirrado, impecavelmente vestido de branco, apareceu na sombra do
alpendre do que parecia ser o bar, sorriu como se de uma velha amizade se
tratasse e, antes de qualquer palavra ser trocada, estendeu um impecavelmente
apresentado gin-tonic. Apresentações informalmente feitas – Vicente, prazer!
Eugénio, como passa doutor? – a conversa continuou num salão perfeitamente
imaculado, como se os tempos prósperos dos idos de 50 ainda resistissem naquele
canto esquecido, nos retratos, na mobília, mas sobretudo em algo que flutuava
no ar, intangível mas tão presente que chegava a arrepiar. Nem vestígio de
abandono, de desleixo, e no entanto apenas aquele velho ali estava, o homem dos
sete ofícios, recepcionista, maître d´hôtel, cozinheiro, barman… A conversa
esticou-se noite fora, entre coisas que foram e que haviam de ter sido, e um
pensamento que continuava a atormentá-lo, mas um tormento prazeroso, pois sabia
que, cedo ou tarde, ela estaria ali, à espera, só para ele, se lhe fosse fiel
como lhe havia jurado desde o momento em que a viu pela primeira vez. Cansado,
exausto, deu por si caído numa cama digna de um qualquer cinco estrelas, sem se
ter apercebido de como encontrara o quarto – afinal, um dia e meio de viagem e
5 ou 6 gin-tonics deixam as suas marcas…
Amanhece, o calor não é insuportável
mas deixa-se sentir na brisa que escorre pela janela e faz ondular os
cortinados. Ainda com a cabeça a flutuar em pensamentos de outras paragens,
deu-se conta do ruído surdo do mar, um impulso tirou-o da cama e, no momento
seguinte, percebeu que as sacadas do primeiro andar olhavam sobre aquela concha
de areia, tirada de postais de agências de viagens, mas sem palhotas, sem
espreguiçadeiras, sem turistas, sem cheiros de bronzeadores ou caipirinhas. Apenas
o silêncio e o mar. Na distância, o oceano deixava perceber a ondulação naquele
riscado tão familiar a lembrar a bombazine de umas calças, sem pinga de água
fora do lugar. As escadas voaram debaixo dos pés descalços, mas o impulso de
sair foi quebrado por uma figura incrivelmente direita, com um sorriso que
podia ser de troça ou quase condescendente, a indicar com um desviar do olhar o
pequeno almoço pousado numa sólida mesa de madeira escura no alpendre com o mar
em frente. Apesar da pouca fome, e ainda com o sabor do álcool da noite
anterior na boca, sentou-se à mesa, fazendo por devorar sem vontade tudo aquilo
pois talvez só voltasse a ter que comer nessa noite. Depois de uns minutos que
pareceram horas, saiu finalmente para o sol, correndo para o canto da baía onde
o som do mar era mais forte. A baía estava calma, azul e verde ao mesmo tempo,
a areia cegava de tão branca e a água mal dava para dizer se quente se fria,
por não se sentir, enquanto continuava aquela corrida aparentemente sem nexo
por uma praia deserta. A corrida parou, um maciço de rochas rematando o canto
da baía obrigou-o a uma escalada forçada, um escorregão aqui, um tropeção ali,
e de repente, ali estava ela! As suas curvas, perfeitas, os seus cabelos,
suaves, penteados por aquele vento morno vindo de terra, uma belíssima e
interminável fonte de prazer estava ali, ao alcance da mão. Ele sabia que lhe
bastava ir ter com ela, e tudo o que quisesse ela lhe daria. Olhou mais uma
vez. O coração disparou como um tambor, e a louca corrida recomeçou, desta vez
em direcção à pensão. O único pensamento era como haveria de tirar melhor
partido dela: com a prancha azul ou com a prancha branca?
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