Vivemos,
há já bem mais que uma década, e cada vez mais, uma época em que a imagem é
tudo. Antes sequer do valor do produto, qualquer que ele seja, é a imagem
comercial que conta, é esse o motor do sucesso (ou não sucesso) de qualquer
coisa que se queira vender, promover, seja um livro, seja um automóvel, seja um
simples detergente, passando pela música, campo onde cada vez mais se confunde
o sucesso com o volume de vendas e consequentes receitas, deixando para segundo
plano aquilo que na realidade interessa, que é a qualidade intrínseca ao
próprio produto; qualidade essa que chegou, a certa altura, a ser o único
argumento para conseguir vingar e se impôr. Mas esses eram outros tempos. Havia
mais ingenuidade, é certo, no que respeita à promoção do que quer que fosse,
mas tudo era mais genuíno e frontal, tipo “what you see is what you get”. Hoje
tudo está maquilhado, disfarçado daquilo que nem sempre é. É sobretudo
evidente, neste último mundo a que faço referência, que os valores se
alteraram, e que hoje em dia nada nem ninguém consegue obter um sucesso digno
de registo se não estiver ligado a uma dessas máquinas de promoção,
multinacional ou não, que irá impôr e expôr à exaustão algo que, podendo ou não
ter qualidade, se quer acima de tudo gerador de receitas a breve prazo, e não
apenas uma referência na afirmação de novos valores e tendências, como chegou a
ser praticado há algumas décadas. “Coitados”, dirão os gurus do marketing dos
nossos dias. Tudo passa a ser secundário; por exemplo, nos tempos da explosão
do “rock and roll”, onde é que estavam essas máquinas de promoção, essa
imposição de gostos hoje tão em voga? Os produtos, a música, vendiam pelo seu
valor, pela inovação que representavam, pela aceitação natural que tinham. Aquilo
que não vingava não o fazia porque simplesmente não tinha qualidade para tal.
Hoje, quantos cantores, quantos grupos não cairiam no esquecimento se não fosse
pelo empurrão que tiveram de toda essa máquina promocional, e tivessem que
vingar à custa apenas da afirmação do valor da sua música? E, na verdade, pouco
se perderia. A indústria musical encontra-se tão indissociavelmente ligada à
exploração e promoção da imagem dos seus intérpretes, que a redução pura e
simples destes à sua condição de músicos levaria esta mega indústria ao
descalabro financeiro. A própria televisão (dita generalista) pouco merece que
dela se fale, pois tem-se vindo a transformar num tal deserto intelectual e de
valores, que em nada poderá contribuir para um real enriquecimento das
capacidades mentais de quem quer que seja.
O
mesmo se aplica a todo o mundo onde o factor comercial tem alguma influência. A
nossa sociedade, dita evoluída, evoluiu na verdade para uma mascarada onde tudo
é aparente, onde os “valores” são criados, usados e recriados ao sabor das
flutuações das tendências, com a efemeridade e leviandade que isso implica.
Pode argumentar-se que tendências e modas sempre houve, que são estas que marcam
épocas e as definem. Sim, mas é preciso ver, e ter consciência, que vivemos
tempos em que essas mesmas modas e tendências já nada têm de genuíno, de
original. Nada mais são que recuperações e reinterpretações de tendências
passadas, nomeadamente das décadas de 60 e 70. Misture-se bem, adicione-se um
pouco de anos 50 e “early 80s” e têm-se os “gloriosos” primeiros anos do
terceiro milénio. Carros, roupas, sapatos, música até, pouco se faz de novo
nestes dias em que vivemos; reinvenções, receitas de sucesso revisitadas num
tempo falho de ideias, mas sobretudo de ideais que guiem uma geração. A imagem
do mundo actual é uma farsa. Falta identidade a toda esta geração que,
infelizmente, não se apercebe disso e consome desenfreadamente aquilo que se
lhe oferece sem questionar, sempre à espera, ansiosamente, do que virá a
seguir, sem se interessar minimamente do porquê da existência de toda essa
parafernália de objectos supérfluos que se tornam cada vez mais indispensáveis,
quanto mais não seja como elementos de integração numa comunidade. A realidade
actual, para onde quer que se olhe, está maquilhada constantemente, com toda a
superficialidade que isso representa. As tendências são conscientemente criadas
e lançadas por uma elite que, ao melhor estilo orwelliano, põe e dispõe da
massa de consumidores a seu bel-prazer, sem que haja uma consciência colectiva
que a isso se oponha com veemência. Os poucos que o fazem são desde logo postos
de lado, ostracizados pelo pecado do pensamento individual. São os
crime-pensantes dos nossos dias. “Freaks”, chamam-lhes. Reaccionários até. Mas
o verdadeiro futuro passa pelas mentes desses poucos “foras-da-lei” que
insistem em não embarcar na mediocridade, optando, por vezes com sacrifícios,
por se manterem fiéis a princípios ausentes da maioria da população, medíocre
por convicção.
[escrito em 13-7-2003]
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