Pode parecer que não passou muito tempo desde esse
triste primeiro de Maio, mas vinte anos são muitos anos. E a morte de Senna
está já à distância desses vinte anos. Assim como já se passaram mais de vinte
anos sobre as grandes conquistas de outro grande do desporto mundial, Tom
Curren.
Ocorre-me referir este paralelo pelas semelhanças
entre os dois: ambos tiveram carreiras em simultâneo, ambos atingiram o pico na
mesma época, tinham aquela faceta de génios foras-de-série, bem como esse lado
introspectivo, misterioso que não fazia mais que esconder uma certa introversão
própria de quem vive no seu interior uma luta constante para se superar. E isso
sempre veio em primeiro lugar na vida de cada um. Talvez tenham sido
incompreendidos por isso, vistos como arrogantes, sentindo-se acima do comum
mortal, mas o fogo interior que os guiava fazia na verdade com que pairassem
acima de todos nós, vivendo numa abstracção nirvânica e num êxtase únicos
quando em alta velocidade desenhavam as suas trajectórias. Génios.
Perfeccionistas, mestres do estilo e da arte de
deslizar. Mesmo sobre água, Senna era um Curren que não deixava a sua máquina
sair do caminho traçado. Curva após curva, aceleração sobre travagem, ambos
levaram aos limites a pureza e a beleza de dois desportos aparentemente tão
distintos, aproximando-os e aproximando-se como ícones, mitos para todos
aqueles que apreciamos a verdadeira essência da estética no desporto.
Ayrton Senna e Tom Curren. Qualquer surfista que tenha
vivido os anos de ouro de Senna, ou seja, toda a sua carreira, compreende a
comparação.
Felizmente, Curren continua a encantar-nos com a
souplesse das linhas do seu surf; Senna continua provavelmente com o pé no
fundo, dentro daquele capacete verde-amarelo.
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