Há quem olhe para o mundo como uma tela.
Artista, dirão.
Há quem veja esse mundo como uma oportunidade de negócio.
Mercantilista, acusarão outros.
Há quem veja o mundo como um mapa infindável por onde viajar, por onde descobrir, onde se abrem horizontes e culturas uns após os outros.
Há quem olhe para o mundo e pense que todos temos que fazer algo para o melhorar, e com isso melhorar as nossas vidas.
As nossas vidas. Vidas humanas. O resto é paisagem.
E é exactamente aqui que está a diferença: conseguir ter a percepção de que o mundo não é nosso. O planeta não é um espaço à nossa disposição - nós, humanos, os supostos reis da criação.
Reis seríamos se nos déssemos conta que a nossa própria existência nos mata.
E só se aí chegarmos conseguiremos ganhar balanço para mudar as atitudes e trabalhar para o verdadeiro bem comum - que não é o bem comum aos Homens. Não. É o bem comum a todas as espécies que partilham esta bola azul connosco. Que não pára de rodar, por muito que nos julguemos no direito divino de tudo dominar- sem nos apercebermos da nossa ridícula pequenez.
Reduzamos a ambição com que olhamos para o nosso planeta, deixemos de lado aquela exploração mineira, esqueçamos a multiplicação e a expansão daquele negócio para outros continentes, exploremos sim o nosso país, as nossas vizinhanças, deixando de lado o avião, boicotemos mesmo o avião!
Reduzamos a nossa presença às áreas que já condenámos, as grandes cidades. Devolvamos à natureza as áreas onde ainda tal é possível, isolemos as áreas intocadas. Isolemo-nos. Isolemo-nos como o vírus que somos e tentemos salvar verdadeiramente aquilo que nos dá vida: o planeta Terra e todas as espécies inocentes que, de uma forma ou de outra, sacrificamos no altar das nossas vaidades, seja a vaidade o prazer de usar um casaco de pele ou atravessar meio mundo de avião para carimbar um passaporte e dizer "eu vivi". Vivi porque viajei.
Não.
Viver é isso apenas. Viver. Diz-se que quem viaja vive. Mas quem viaja, hoje, vive mas tantos viajam de igual modo, que todos viajando matam.
O mundo acelerou, as viagens multiplicaram-se, a ocupação do território expandiu-se como um fogo que tudo acabará por consumir, e essas viagens mais não servirão que para assistir à verdadeira Terra queimada. Queimada pela nossa estupidez de tudo querer.
Poderá haver quem então continue a olhar para o mundo como uma tela.
Mas então uma tela em tons de negro.
Ou podemos, todos, pintá-la em tons de verde, com muito azul, e sobretudo muita vida. Vida para além de nós, humanos, que apenas estamos aqui de passagem. Mas uma passagem com uma factura bastante pesada...
Sejamos artistas. E apreciemos. E procuremos olhar para nós mesmos como iguais, como parte de um todo onde não somos mais que uma peça. Uma peça descartável. Cientes de um tempo em que nesta Terra o Homem seja apenas um episódio longínquo.